
O retrato de Bruges na comédia de humor negro "Na mira do chefe", em inglês "In Bruges" (2008), era o de uma cidade de faz de contas tão enfadonha que quase enlouquecia o personagem de Colin Farrell. "Talvez o inferno seja exatamente isso: passar a eternidade em Bruges", concluía, na última cena. A charmosa capital da província de Flandres Ocidental, no noroeste da Bélgica, é mesmo tranquila, com cisnes deslizando por canais medievais e vielas de pedra, pontilhadas de cafés silenciosos e lojas fofinhas. Mas Bruges hoje tem muito mais a oferecer. Talentosos chefs jovens comandam restaurantes ambiciosos e chocolatiers produzem delícias experimentais para lojas de chocolate. Novos e renovados museus estão abrindo as portas e, à noite, pubs oferecem uma seleção de cervejas belgas raras das mais prestigiosas cervejarias da região. Inferno? Dificilmente.
De pedaladas a chocolates
Muito do que encanta no centro de Bruges lembra mesmo um conto de fadas, como passarelas de pedra sobre canais pitorescos e ruas medievais onde há mansões com jeito de castelo. Para ver os trechos mais bonitos do país das maravilhas medievais, caminhe seguindo o canal Dijver, que serpenteia a cidade. Faça questão de encerrar o roteiro na Markt, a praça central onde se destaca o campanário do século XIII. Os mais empolgados podem subir os 366 degraus da torre para ter uma bela vista da cidade. Mas primeiro use a sua lente panorâmica no térreo: a corte neogótica, o próprio campanário e as curiosas casas triangulares brilham na praça.
De outro terraço em Bruges, você pode deixar sua campainha interior tocar no Sound Factory, um novo museu interativo dentro do prédio da Concertgebouw (sala de concertos) contemporânea. Componha uma sinfonia no terraço — inspirado, talvez, pela linda vista da cidade — em uma exposição touch-screen que põe nas suas mãos o controle dos sons (gravados) de vários sinos de igreja. Desça então até o auditório misterioso onde o chamariz é um sintetizador-instalação artística intitulado "OMNI".
Ideal é visitar o Soundfactory de manhã, quando há menos turistas. Quando as ruas começarem a se encher deles, a melhor forma de escapar é sobre duas rodas. Alugue uma bicicleta na estação de trem (8 euros por quatro horas) e pedale junto ao largo canal que ronda a cidade. O caminho é tranquilo, percorrido em média em 30 minutos, por uma ciclovia arborizada, passando por parques, através de uma passarela de madeira e pelos quatro moinhos de vento que ainda restam em Bruges.
No caminho de volta, faça um pequeno desvio para o Begijnhof, um pátio silencioso cercado por casas caiadas que um dia abrigaram as beguines de Bruges — uma ordem religiosa de mulheres viúvas e solteiras que se iniciou no século XIII. Hoje, freiras beneditinas moram ali, e uma respeitosa ordem de silêncio impera no caminho, garantindo que essas antigas vielas de pedra estejam entre as mais tranquilas de Bruges.
Tantas pedaladas vão exigir muita energia. Que tal obtê-la em alguma das melhores chocolaterias da cidade? São tantas lojas de doces em Bruges, que às vezes parece que todas as vitrines têm empilhadas caixas de bombons e bandejas de trufas. Para sucumbir a essa tentação, procure os lugares mais inovadores de Bruges, como a loja de Dominique Persoone, The Chocolate Line, cheia de doces criativos e combinações requintadas e saborosas como ganache amargo com vodca, maracujá e lima.
Já na nova BbyB, a ênfase é no sabor sem truques. Aberta em outubro de 2010, a loja tem uma decoração elegante toda branca recheada de simples barras de chocolate belga fino embaladas em caixas numeradas nos tons de pantone. Tente o número 15, com chocolate de leite, avelã e babelutte (um doce de caramelo regional) ou o número 50, com chocolate amargo, cumaru e limão.
O último burburinho da gastronomia belga que ultrapassou as fronteiras europeias não tem a ver com chocolate nem com cerveja, mas sim com um restaurante pequenino e charmoso, o Hertog Jan, que em novembro recebeu sua terceira estrela Michelin — tornando-se o terceiro restaurante no país a ostentar a classificação. Se você conseguir uma mesa neste salão minimalista, espere um desfile de belos pratos do chef Gert de Mangeleer, que abrangem de vieiras com tutano de vitela, fatias finas de alcachofras de Jerusalém e um punhado de minúsculas ovas de arenque a suculento cordeiro Limousin cristalizado servido com nabo e flor de limão. O menu de cinco etapas custa 115 euros, sem bebidas.
Quando na Bélgica, jante, beba e vista-se como os belgas
Faça como os locais e comece o dia no mercado aberto da praça ‘t Zand. Pule os vendedores de quinquilharias e rume para o canto norte da praça para comprar queijos belgas, arenque defumado e pães de uvas-passas e castanhas das últimas fornadas. Compre então um saco de pequenos boterwafels (3,50 euros) frescos, que são waffles amanteigados doces, de uma barraca perto da Hauwerstraat, e entretenha-se com eles enquanto passeia até a feira livre de Beursplein.
É bom aproveitar as manhãs para visitar museus, que são invadidos por uma multidão em horários vespertinos. Assim, você pode admirar o quanto quiser as telas dos primitivos flamengos, um grupo de artistas influentes que surgiu na cidade no século XV. Comece na pequena capela adornada com seis cativantes trabalhos de Hans Menling dentro do histórico Memling in Sint-Jan Hospitaal Museum (uma instituição que fica num antigo hospital do século XIII). Então atravesse o canal até o Groening Museum, que reabriu em 2011 depois de uma grande reforma. Só observar o impressionante realismo de "Madonna com Canon Joris van der Paele", de Jan van Eyck, já vale o preço do ingresso (8 euros).
Evite restaurantes no centro histórico onde os preços e a qualidade refletem mais a confiança nos turistas do que em frequentadores locais. Em vez disso, vá ao Tête Pressée, um charmoso restaurante com cardápios somente para o almoço (com uma delicatessen adjacente com opções para levar) que abriu em julho de 2009 no bairro residencial de Sint-Michiels. Uma dica de que o lugar é feito para quem mora ali: só existe menu em holandês. Sente-se no balcão, que emoldura a cozinha aberta, porque o chef Pieter Lonneville fará todas as traduções necessárias para o inglês. Mas é difícil errar pedindo o menu de três etapas com preço fixo (33 euros). Um dos mais recentes incluía um ensopado de faisão com endívias e abóbora grelhada, e uma fatia de clafoutis de pêra servido quente com figos frescos.
Os estilosos que não chegarem à Antuérpia, a capital belga da moda avant-garde, vão adorar descobrir a butique L’Héroïne. A despretensiosa loja tem um incrível acervo com os estilistas mais fashion-forward do país, desde marcas já estabelecidas como Dries van Noten e Ann Demeulemeester a jovens talentos como Christian Wijnants. Nos cabides, vestidos de seda drapeados e estampados, jaquetas assimétricas, volumosas capas de lã grossa e cachecóis em tricô: peças bacanas sem logomarcas à vista.
Depois de um almoço substancial, o horário do jantar provavelmente chegará antes de seu estômago gritar de fome (os chocolates também têm culpa no cartório). Mas isso cria a situação perfeita para se jogar em uma outra especialidade local: batatas fritas belgas. Aqui, elas são duplamente fritas, largas. Praticamente irreconhecíveis, tomando como padrão o fast-food americano — ainda mais se forem cobertas com uma generosa dose de maionese ou molho curry. Uma das mais novas lojas de fritas na cidade, Chez Vincent entrega batatinhas pelando, servidas com uma salada fresca (3,50 euros, a porção grande). As largas janelas no salão do primeiro andar têm vista para a catedral Sint-Salvator. E sim, eles também têm ketchup.
Não faltam pubs na cidade. Mas também não há razões para que sua primeira cerveja não seja no Brugs Beertje. Esse cultuado bar é inegavelmente gezellig, uma palavra holandesa que define perfeitamente a aconchegante e caseira atmosfera do pub. Os iniciantes que nem mesmo sabem o que é uma Duvel podem contar com a ajuda de um time de especialistas na hora de selecionar uma das centenas de opções de cervejas no menu. Os especialistas vão se deleitar com as fantásticas opções, que incluem St. Bernardus Tripel, La Rulles Estivales e Orval Trappist ale (a maioria, entre 3 euros e 3,50 euros
Reportagem retirada do caderno virtual Boa Viagem do site oglobo.globo.com
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